quinta-feira, 15 de abril de 2010

Até aos confins da terra



É certo que nós próprios precisamos de missionários,
mas devemos dar de nossa pobreza.
(Puebla, 368)


Como as primeiras comunidades dos Atos dos Apóstolos temos o desafio de deixar-nos conduzir pela presença do Espírito Santo. Em pentecostes Deus cumpre sua promessa e envia seu Santo Espírito incitando-nos a ser Igreja Missionária. A missão de Jesus torna-se a missão da Igreja. É o próprio Cristo que nos envia em missão assim como o Pai O enviou: pelo mundo inteiro, a toda criatura (Mc 16, 15), todas as nações (Mt 28, 19), todos os povos (Lc 24, 47).
É o próprio Deus que toma a iniciativa e convida-nos a colocarmo-nos a caminho. O projeto é d'Ele. Somos instrumentos em suas mãos. Nenhum cristão pode esquivar-se deste dever supremo: anunciar Cristo até aos confins da terra (At 1, 8).
Todavia, apesar do convite missionário a todos cristãos, o número daqueles que ignoram Cristo, e não fazem parte da Igreja está em contínuo aumento. Muitos lugares são de primeira evangelização. Inúmeras paróquias estão sem a presença de sacerdotes, religiosos e religiosas, leigos e leigas missionários. Muitas comunidades passam um ano inteiro sem celebrar a Eucaristia.
Nossa equipe missionária sente essa realidade de perto. Atendemos duas paróquias, Larde e Micane, totalizando 140 comunidades. Além do número elevado ainda existe o problema das distâncias. Uma verdadeira peregrinação que fazemos por amor a Palavra de Deus.
Mas não se caminha sozinho por está estrada missionária. Não somos nós apenas que estamos aqui, mas toda a Igreja do RS que nos enviou. Esta obra não é somente nossa mas de todo o povo de Deus que de alguma forma contribui para que a missão se realize. A missão só é possível devido as muitas mãos que se estendem em favor do próximo.
Agradeço ao Pe. Rodrigo que me fez o convite despertando um sonho já adormecido. Pe. Adilson Corrêa que me fez acreditar que um outro mundo é possível. A Dom Jaime kohl que abriu as portas e me acolheu. A Silvane Agnolin que ao cuidar de situações práticas tornou-se uma grande amiga. Ao Pe. Erni e toda Paróquia Divino Espírito Santo que me apoiou e incentivou. A minha família que apesar de não compreender minha decisão esteve sempre ao meu lado. E todos meus amigos e amigas, famíliares e pessoas que talvez eu nem conheça mas que rezam e contribuem de alguma maneira para que a missão de Jesus Cristo se realize aqui em Moçambique em meio a este povo tão sedento da Palavra de Deus.
Somos todos missionários. Lembrem, o projeto é do Pai. Jesus envia. O Espírito Santo Guia. E nós precisamos ter a mesma coragem que moveu os primeiros missionários para gastarmos nossa vida a serviço do irmão.
Sinto chegado o momento de uma entrega total, da Igreja do RS, a causa missionária na certeza que não estamos sozinhos: “Eis que eu estarei com vocês todos os dias, até o fim do mundo”

(Mt 28, 20b).

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Resposta




Dentro de mim há uma luta que me consome por inteira. Rivalizam entre si a razão e a emoção. Uma batalha incessante em busca de respostas para o turbilhão de situações que presencio e não entendo.
Não vivia no paraíso, motivo que me tirou o sono diversas noites. Me questionava o porquê partir em missão além fronteiras com tantos problemas em meu jardim. Racionalmente não encontrei motivos. Pelo contrário, o bom senso me deu inúmeros argumentos para ficar em casa. Contra a correnteza lógica, resolvi, como sempre, seguir meu coração. E, hoje, sou peregrina pelas estradas moçambicanas colhendo novas perguntas que inquietam meu ser.
Procuro, não somente, respostas para tanta miséria em um mundo com tantos recursos. Busco, porém, compreender o porquê de tanto conformismo perante a degradação humana. Nem escandalizo-me mais com a inércia das pessoas que não olham de perto o cinza da fome que se pode ver estando aqui com os pobres. Mas fico pasma com o comodismo e frieza daqueles que presenciam a miséria deste povo sabendo o luxo e ostentação que muitos usufruem por detrás dessa cortina de vidro. E minha indignação vai além ao recordar que tais riquezas, americanas e européias, foram erigidas sobre ombros africanos, a custa de muito suor e sangue derramado deste povo que hoje sofre como se ninguém percebesse.
E não adianta dizer-me que “sempre foi assim”. Me perdoem aqueles que me acharem piegas mas meu coração não se aguenta ao saber que aqui muitos tem apenas uma refeição por dia. Que consomem, durante a vida inteira, uma alimentação baseada apenas na caracata* e na chima** enquanto em outras partes deste mundão de meu Deus outros se deliciam em banquetes diariamente. Que suas moradias são desumanas, não tendo nem onde recostar a cabeça, ao passo que outros tantos vivem em mansões. Que vestem-se maltrapilhos e possuem, no máximo, uma ou duas peças de roupa, ao mesmo tempo que criaturas superficiais saem na rua apenas vestidos com alguma etiqueta que lhe dê status pois se não for assim entram em crise. Que andam muitos quilômetros de pés descalço enquanto um filhinho-de-papai só calça nike ou então faz birra. Seria cômico se não fosse trágico esse papo de desigualdade social.
Como historiadora meu primeiro impulso é aproar minhas inquietações em terra firme baseada nos mais renomados pensadores como Karl Marx, Schopenhauer, Friedrich Nietzsche, Engels.
Bombardeada de informações, agora, respostas não me faltam.
Pondero e não fico convencida. Subitamente mergulho em minhas emoções. Todo meu corpo reage, olhos, boca, braços, mente, alma, coração. As respostas, que trariam soluções e que fariam a diferença, ainda não as encontrei.
Sinto como se perdesse o rumo...
Tenho que encontrar um equilíbrio entre a razão e a emoção.

Tatiane Silveira Soares
Missionária em Moçambique


*Caracata: seca-se a mandioca ao sol e posteriormente se prepara uma espécie de polenta.
** Chima: uma papa preparada com milho branco.